10/09/2011

Amigos do Idi: ambiguidade

Cuidado com o que você fala, escreve e lê!

Continue a somar pontos para levar a gramática do Bechara.
Fonte: Tironas






Olá, pessoal!
Neste post, vamos tratar de um problema que me incomoda como escritor e como leitor. Como escritor, fico preocupado em, sem perceber, construir um texto que passe uma mensagem dúbia; como leitor, fico perdido ao me deparar com frases que não passam um enunciado claro. O problema do qual estou falando chama-se “ambiguidade”, um inimigo às vezes quase invisível. Sim, invisível. Veja, por exemplo, a frase abaixo:

A postagem de abril foi revisada pela décima vez neste mês.

Muitas pessoas certamente não estão vendo falha alguma nela. Mas pergunto: a frase está dizendo (1) que a postagem foi revisada dez vezes no mês em que estamos ou (2) que a postagem, desde abril, sofreu dez mudanças, sendo que a décima aconteceu no mês em que estamos? Pois é! Não dá para saber. Da maneira como foi escrito o texto, as duas interpretações são igualmente possíveis. Para resolver o problema, precisamos reconstruir a frase.

Aqui, você pode ganhar uma gramática
Se eu quero passar a ideia (1), uma solução é reescrevê-la assim: “A postagem de abril foi revisada por dez vezes neste mês.”

Se quero passar a ideia (2), podemos dizer: “Neste mês, a postagem de abril foi revisada pela décima vez desde que foi lançada.”

Como eu venho dizendo, o Amigos do Idi não é uma série para ensinar gramática, já que nem professor sou. A intenção é apenas trocarmos “toques” sobre nossa língua. Portanto, não vou ficar tecendo considerações sobre ambiguidade semântica e sintática, entre outros detalhes. A ideia nesta postagem não é dar uma aula de Português, mas deixar o pessoal mais atento quando for redigir suas resenhas, seus livros, suas redações...

Em muitas situações, um texto ruim e dúbio pode causar sérios prejuízos. Por isso, nossos legisladores também deveriam dar uma passadinha por aqui, pois cometem verdadeiros atentados quando redigem leis. Eu darei um milhão (do tipo que se encontra na lavoura rsrs) para quem conseguir traduzir o art. 1.829, I do Código Civil, do ponto-e-vírgula em diante.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Não entendeu nada? Está achando isso uma chatice? Concordo. Mas... imagine que sua situação em um inventário pode mudar da água para o vinho – ou pior, do vinho para a água – dependendo de como o juiz interpretará essa lei mal redigida. Você, rapidinho, vai querer virar um expert no tema “ambiguidade”, não? Bem... Talvez você prefira deixar tudo nas mãos de seu advogado... Beleza então. De qualquer maneira, quem tiver algum interesse em entender melhor esse assunto, pode dar uma olhadinha aqui, aqui, aqui e em muitos outros locais, tamanha é a discussão a respeito.

Não quero transformar este post numa chateação jurídica, mas vejam só mais um exemplo. Em um Decreto do Rio (o 2.479 de 1979), temos a seguinte redação:

Art. 292. São penas disciplinares:
VII – cassação de aposentadoria, jubilação e disponibilidade.

Quais são as penas afinal? Certamente, a maioria vai dizer (1) cassação de aposentadoria, (2) jubilação e (3) disponibilidade. Mas... não é! As penas são (1) cassação de aposentadoria, (2) cassação de jubilação e (3) cassação de disponibilidade. A coisa é tão grotesca que bancas de concurso já elaboraram questões como se a interpretação errada fosse a correta. Então, melhor seria escrever: “cassação de aposentadoria, de jubilação e de disponibilidade”. Pronto! Acabou o mal-entendido.

Agora, veja as frases abaixo:

1- O homem comeu um porco com o rosto vermelho.

Difícil saber quem tinha o rosto vermelho, não é mesmo? Então, se era o homem, melhor escrever: “Enquanto comia um porco, o homem ficou com o rosto vermelho” ou “O homem, com o rosto vermelho, comeu um porco” (na última frase, as vírgulas ajudam a passar uma ideia que desejamos, ou seja, a de que o homem ficou vermelho só enquanto comia. Se quisermos passar a ideia de que ele tem sempre o rosto vermelho, basta retirá-las). E se o rosto vermelho era do porco, assim ficaria melhor: “Um porco com o rosto vermelho foi comido pelo homem” ou “O homem comeu um porco, que tinha o rosto vermelho”.

2- Eu comi no mesmo restaurante em que aquela mulher foi servida.
Agora a coisa está ficando meio canibalesca. Ou, dependendo do foco do leitor, um pouco pornográfica. Sim, pois a frase dá a impressão de que a mulher foi servida em um restaurante. Seria melhor dizer simplesmente: “Eu comi no mesmo restaurante que aquela mulher”. É claro que, na frase original desse exemplo, dificilmente alguém se enganaria na interpretação. Mas ele serve para demonstrar um tipo de ambiguidade que poderia gerar problemas em outras situações não tão óbvias.

3- Vi uma disputa entre o policial e o ladrão que me amedrontou.
Quem amedrontou? Seria (1) a disputa ou (2) o ladrão? Não dá mesmo para saber. Mas veja como agora tudo fica mais claro. Para passar a ideia (1), basta escrever: “Vi uma disputa, que me amedrontou, entre o policial e o ladrão”; e para passar a ideia (2): “Vi uma disputa entre o ladrão que me amedrontou e o policial”.

4- O rei pede resistência ao povo.

Arthur: o povo resistiria por ele
Luís XIV: resistiu ao povo
Difícil saber se (1) o rei pede aos seus aliados que resistam contra o povo revoltoso ou se (2) o rei pede ao povo que resista contra alguma ameaça. Essa é muito fácil de solucionar: (1) “O rei pede que resistam ao povo”; (2) “O rei pede que o povo resista”.




5- Após João ser chamado pelo professor, ele berrou.  

Mas... Quem berrou? Bem, se foi João, bastava dizer: “João berrou após ser chamado pelo professor”. E se foi o professor: “O professor berrou após chamar João”. Assim, além de mais bonitas, as frases ficam perfeitamente claras.

É bem verdade que as ambiguidades muitas vezes são esclarecidas pelo próprio texto em que estão inseridas, não causando danos reais à compreensão. Mas, na prática, vejo escritos (resenhas inclusive) fazendo afirmações impossíveis de serem esclarecidas pelo contexto, confundindo verdadeiramente o leitor.

Um exemplo:

O livro é ótimo, mas muitas palavras infelizmente apresentam falhas.

Então, o autor do livro fica pensando: “Mas eu escrevo de forma perfeita; e o revisor da editora é tão bom... Que falhas serão essas?” E perde um tempão tentando descobrir onde errou, até que o resenhista se manifesta: “Não, não, eu quis dizer que muitas palavras apresentam falhas de impressão e estão com algumas letras apagadas”. Eu já me deparei com esse tipo de situação algumas vezes na blogosfera e já até perdi tempo debatendo por e-mail sobre coisas que havia entendido errado.

É isso, pessoal! Este post, conforme já dito, não é uma aula de Português (longe disso!), mas apenas um alerta: cuidado para não produzirem textos dúbios. E, como visto, isso pode ser conseguido com o uso de preposições, com a mudança de voz da oração, com o uso da redação em ordem inversa... E quem quiser somar mais pontos para conquistar uma gramática atualizada do Bechara basta resolver as questões abaixo (lembrando que: 1 acerto vale 1 ponto; 1 erro vale -1 ponto; e uma resposta não dada vale 0 ponto):

1- Há ambiguidade na frase abaixo. Diga as três interpretações que podemos dar a ela (sem alterar nada na frase):
"O restaurante enviou uma pizza à francesa sem sal."

2- A frase abaixo está ambígua:
"O leão a leoa expulsou."
Afinal, quem expulsou quem?
a) Faça com que a frase deixe claro que o expulso foi o leão:
b) Faça com que a frase deixe claro que a expulsa foi a leoa:
Regra: o sujeito e o objeto direto não podem ser deslocados de suas posições.

Um grande abraço!

2 comentários:

  1. 1) "O restaurante enviou uma pizza à francesa sem sal."

    1- a pizza enviada a uma francesa estava sem sal.
    2 - a pizza foi cortada a francesa e estava insossa
    3 - a pizza foi enviada a uma francesa que não era atraente, ou era comum do ponto de vista estético (sem sal)

    2)
    a) O leão, a leoa expulsou.
    b)O leão à leoa expulsou.

    ResponderExcluir
  2. 1) restaurante enviou uma pizza à francesa sem sal."
    a-(uma pizza preparada à moda francesa e sem sal foi enviada)
    b-(uma pizza preparada à moda francesa foi enviada sem sal)
    c-(uma pizza foi enviada a uma francesa sem sal=sem graça

    2)
    a) O leão? A leoa expulsou.
    b) O leão à leoa expulsou.

    Gostei dessa,
    Abraços,
    Cármen.

    ResponderExcluir

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